Esta viagem pelo mercado de valores não financeiros — mas infinitamente mais valiosos e importantes — pode levar-nos para as mais variadas e imprevisíveis direcções. A grande questão é saber quais são as moedas que contam. Quantas são? São as mesmas para todos? Valem o mesmo para cada um de nós?
Enquanto escrevo um texto e recordo os anteriores, vou pensando sobre que outras “moedas” hei-de partilhar as minhas reflexões. Ocorrem-me inúmeras, o que demonstra que a nossa vida está repleta de dimensões profundas, não mensuráveis, não quantificáveis, sobre as quais raramente pensamos e, mais do que isso, raramente damos nota, quer da sua presença, quer do seu papel.
Por agora, vou percorrendo as mais óbvias, mas não necessariamente as mais fáceis. A “moeda” de hoje é um excelente exemplo disso: a família. Vejamos!
A Família
Eis uma “moeda” controversa, instável, mas inevitável.
Importa, nesta reflexão, pensar na família mais próxima — pais, filhos e irmãos—, assumindo o risco de deixar de fora todas os outros graus de parentesco que, apesar de mais distantes, podem significar relações de grande intensidade e de grande proximidade.
Mas, na verdade, a família nuclear, aquela onde nos movemos, com quem lidamos, com quem mais falamos e que nos influencia, centra-se nestes três laços.
Que dizer da família? Aqui cabe todo um universo de possibilidades. Provavelmente, existem tantos modelos relacionais e emocionais quanto famílias, variando na intensidade, na dependência, na conflitualidade e, sobretudo, no lado afectivo, onde pode caber o amor mais puro, a indiferença, o oportunismo, o ódio e, dentro deste, a violência.
Um dos aspectos mais fascinantes da família é o modo como ela nos molda, como a transportamos em nós, nos nossos traços e na nossa voz, no nosso comportamento e nas nossas atitudes.
Esta enorme influência deriva da genética e da educação, que recebemos na infância.
Se a genética é incontornável, já o peso da educação pode ter efeitos diversos. Podemos absorver os comportamentos dos nossos pais e imitá-los, adaptá-los à nossa personalidade ou, inversamente, rejeitá-los e usá-los como exemplos do que não ser e do que não fazer.
Os nossos pais acabam por ser referenciais de formas de estar e de ser, de atitudes perante a vida, o trabalho e os outros. No entanto, o uso que fazemos desses modelos irá depender das nossas próprias circunstâncias de vida, do caminho que fazemos e do impacto das outras pessoas com quem nos vamos cruzando.
Podemos olhar para trás e ver os nossos pais como exemplos acabados do que somos, do que gostaríamos de ter sido ou daquilo que nunca quereremos ser. E, mesmo nesta vertente aparentemente mais negativa, os pais servem como paradigma, como bússola que indica por onde ir ou de onde fugir.
Outro aspecto bem diferente é o emocional. Refiro-me ao amor dos filhos pelos pais e, por extensão, aos avós. Todos conhecemos relações de grande amor em que pais e filhos, mesmo adultos, nunca deixam de comunicar, de se ver. Em que os filhos se continuam a interessar pelos seus pais, a acompanhá-los ao médico, a estar com eles sempre que possível, a sofrer com a sua doença e a amá-los com o mesmo enlevo dos primeiros dias.
São exemplos de amor inato, em estado puro e indelével.
Temos, também, o contrário — que dispenso descrever—, mas que não é tão raro quanto deveria ser.
Continuo sem entender como pode um filho não amar os seus pais, não cuidar deles à imagem do que eles fizeram consigo, não os trazer sempre dentro de si, não os reconhecer como uma extensão de si mesmo, ignorá-los, maltratá-los, esquecê-los.
Será este, provavelmente, o cenário mais horrível de todos: o esquecimento em vida de quem nos deu vida.
Como se desenvolve este desamor por alguém tão central na nossa vida? O que falhou? É certo que pais e filhos podem ter diferentes graus de empatia, de química, de cumplicidade. E, seguramente, a intensidade da relação dos primeiros anos tem importância. Podemos sentir-nos mais próximos da nossa mãe do que do nosso pai. Podemos, até, sentir que preferimos um a outro e isso é perfeitamente normal.
Mas como não gostar? Como não respeitar? Como esquecer?
Mesmo aceitando a ausência de afecto, deveria prevalecer o sentido de dever, de responsabilidade, de gratidão e de reciprocidade, o que não nos permitiria, em circunstância alguma, deixar de lado os que partilham a nossa herança biológica.
Entre irmãos, os mecanismos são mais diversos e complexos. À força da genética, da partilha do mesmo espaço, da mesma família, juntam-se outras igualmente poderosas: a competição, o ciúme, o território. Temos, por isso, relações entre irmãos profundamente violentas, sem qualquer réstia de amor ou amizade, onde a anulação do outro é o objectivo primordial.
Serão, provavelmente, fenómenos esporádicos e a regra é a cumplicidade, a amizade, a vontade de estar presente, de ter presente, a confiança, a identidade. O amor.
A família como valor, é, portanto, tremendamente inconstante. Pode ser fonte de prazer, de amor, de alegria, mas também dos seus opostos. Nela cabem todas as emoções, mas existe algo de imutável que lhe confere um estatuto muito particular: os nossos pais, os nossos filhos, os nossos irmãos são os seres mais próximos, com os quais partilhamos ou partilhámos a maior intimidade, nos anos em que coexistimos e partilhámos o mesmo espaço.
A “contaminação” é inevitável e se não traz, por si só, uma imposição de continuidade, implica, pelo menos, o reconhecimento de que parte do que somos vem da família e assim continuará a ser nas gerações seguintes.
Esta transmissão de traços genéticos, de características físicas e de personalidade, é aquilo que temos mais próximo da imortalidade.
Cuidar desta “moeda” parece-me, por tudo isto, muito importante. Mesmo que já nos revejamos nela, mesmo que nos sintamos distantes, temos o dever de não a ignorar, de não a esquecer e de, quando a necessidade o dita, saber estar presentes.
Não temos de amar a nossa família. Mas temos de a respeitar, sob pena de perdermos a nossa própria humanidade.
Bolsa de Valores | A Família
Esta viagem pelo mercado de valores não financeiros — mas infinitamente mais valiosos e importantes — pode levar-nos para as mais variadas e imprevisíveis direcções. A grande questão é saber quais são as moedas que contam. Quantas são? São as mesmas para todos? Valem o mesmo para cada um de nós?
Enquanto escrevo um texto e recordo os anteriores, vou pensando sobre que outras “moedas” hei-de partilhar as minhas reflexões. Ocorrem-me inúmeras, o que demonstra que a nossa vida está repleta de dimensões profundas, não mensuráveis, não quantificáveis, sobre as quais raramente pensamos e, mais do que isso, raramente damos nota, quer da sua presença, quer do seu papel.
Por agora, vou percorrendo as mais óbvias, mas não necessariamente as mais fáceis. A “moeda” de hoje é um excelente exemplo disso: a família. Vejamos!
A Família
Eis uma “moeda” controversa, instável, mas inevitável.
Importa, nesta reflexão, pensar na família mais próxima — pais, filhos e irmãos—, assumindo o risco de deixar de fora todas os outros graus de parentesco que, apesar de mais distantes, podem significar relações de grande intensidade e de grande proximidade.
Mas, na verdade, a família nuclear, aquela onde nos movemos, com quem lidamos, com quem mais falamos e que nos influencia, centra-se nestes três laços.
Que dizer da família? Aqui cabe todo um universo de possibilidades. Provavelmente, existem tantos modelos relacionais e emocionais quanto famílias, variando na intensidade, na dependência, na conflitualidade e, sobretudo, no lado afectivo, onde pode caber o amor mais puro, a indiferença, o oportunismo, o ódio e, dentro deste, a violência.
Um dos aspectos mais fascinantes da família é o modo como ela nos molda, como a transportamos em nós, nos nossos traços e na nossa voz, no nosso comportamento e nas nossas atitudes.
Esta enorme influência deriva da genética e da educação, que recebemos na infância.
Se a genética é incontornável, já o peso da educação pode ter efeitos diversos. Podemos absorver os comportamentos dos nossos pais e imitá-los, adaptá-los à nossa personalidade ou, inversamente, rejeitá-los e usá-los como exemplos do que não ser e do que não fazer.
Os nossos pais acabam por ser referenciais de formas de estar e de ser, de atitudes perante a vida, o trabalho e os outros. No entanto, o uso que fazemos desses modelos irá depender das nossas próprias circunstâncias de vida, do caminho que fazemos e do impacto das outras pessoas com quem nos vamos cruzando.
Podemos olhar para trás e ver os nossos pais como exemplos acabados do que somos, do que gostaríamos de ter sido ou daquilo que nunca quereremos ser. E, mesmo nesta vertente aparentemente mais negativa, os pais servem como paradigma, como bússola que indica por onde ir ou de onde fugir.
Outro aspecto bem diferente é o emocional. Refiro-me ao amor dos filhos pelos pais e, por extensão, aos avós. Todos conhecemos relações de grande amor em que pais e filhos, mesmo adultos, nunca deixam de comunicar, de se ver. Em que os filhos se continuam a interessar pelos seus pais, a acompanhá-los ao médico, a estar com eles sempre que possível, a sofrer com a sua doença e a amá-los com o mesmo enlevo dos primeiros dias.
São exemplos de amor inato, em estado puro e indelével.
Temos, também, o contrário — que dispenso descrever—, mas que não é tão raro quanto deveria ser.
Continuo sem entender como pode um filho não amar os seus pais, não cuidar deles à imagem do que eles fizeram consigo, não os trazer sempre dentro de si, não os reconhecer como uma extensão de si mesmo, ignorá-los, maltratá-los, esquecê-los.
Será este, provavelmente, o cenário mais horrível de todos: o esquecimento em vida de quem nos deu vida.
Como se desenvolve este desamor por alguém tão central na nossa vida? O que falhou? É certo que pais e filhos podem ter diferentes graus de empatia, de química, de cumplicidade. E, seguramente, a intensidade da relação dos primeiros anos tem importância. Podemos sentir-nos mais próximos da nossa mãe do que do nosso pai. Podemos, até, sentir que preferimos um a outro e isso é perfeitamente normal.
Mas como não gostar? Como não respeitar? Como esquecer?
Mesmo aceitando a ausência de afecto, deveria prevalecer o sentido de dever, de responsabilidade, de gratidão e de reciprocidade, o que não nos permitiria, em circunstância alguma, deixar de lado os que partilham a nossa herança biológica.
Entre irmãos, os mecanismos são mais diversos e complexos. À força da genética, da partilha do mesmo espaço, da mesma família, juntam-se outras igualmente poderosas: a competição, o ciúme, o território. Temos, por isso, relações entre irmãos profundamente violentas, sem qualquer réstia de amor ou amizade, onde a anulação do outro é o objectivo primordial.
Serão, provavelmente, fenómenos esporádicos e a regra é a cumplicidade, a amizade, a vontade de estar presente, de ter presente, a confiança, a identidade. O amor.
A família como valor, é, portanto, tremendamente inconstante. Pode ser fonte de prazer, de amor, de alegria, mas também dos seus opostos. Nela cabem todas as emoções, mas existe algo de imutável que lhe confere um estatuto muito particular: os nossos pais, os nossos filhos, os nossos irmãos são os seres mais próximos, com os quais partilhamos ou partilhámos a maior intimidade, nos anos em que coexistimos e partilhámos o mesmo espaço.
A “contaminação” é inevitável e se não traz, por si só, uma imposição de continuidade, implica, pelo menos, o reconhecimento de que parte do que somos vem da família e assim continuará a ser nas gerações seguintes.
Esta transmissão de traços genéticos, de características físicas e de personalidade, é aquilo que temos mais próximo da imortalidade.
Cuidar desta “moeda” parece-me, por tudo isto, muito importante. Mesmo que já nos revejamos nela, mesmo que nos sintamos distantes, temos o dever de não a ignorar, de não a esquecer e de, quando a necessidade o dita, saber estar presentes.
Não temos de amar a nossa família. Mas temos de a respeitar, sob pena de perdermos a nossa própria humanidade.
Moeda bem difícil esta. Não vos tinha dito?
LAÇOS
PROXIMIDADE
COMPLEXIDADE
Luís Gouveia Andrade
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