Já me disseram assim uma vez: “Comprei esta blusa na Zara. Sim, já sei que sou uma pessoa horrível que escraviza crianças na India.”. Também já me disseram assim: “Isso é tudo muito bonito, mas as pessoas só têm dinheiro para ir à Primark”.
A caixa de mensagens do Fashion Revolution está repleta de “o que devemos então vestir, para não prejudicar ninguém?”.
São mais as vezes que tento relaxar consciências pesadas do que as que chego efectivamente a discutir o impacto do consumo da chamada moda rápida, ou fast-fashion, e as suas alternativas. A maior parte das vezes é inútil partir para os números mais chocantes.
Moda mexe com necessidades básicas humanas como auto-confiança, sentimento de pertença e identidade, e quando ainda por cima vivemos num cenário social que alimenta a inveja sobre o adorno, susceptível de ser julgado como fruto da vaidade ou futilidade, geralmente dizer a uma pessoa que os jeans que acabou de comprar desperdiçaram 10 mil litros de água e provavelmente despejaram resíduos altamentes tóxicos nos rios de Xintang que vão contribuir para a esterilização dos solos circundantes, potenciando doenças cancerígenas nas populações locais, e ainda destruindo ecossistemas, não é propriamente uma coisa que vá abrir a sua mente. Muito pelo contrário.
A culpa e o medo de descobrir que somos “más pessoas”
são os sentimentos mais inférteis à liberdade
de decidir em consciência e em empatia com o outro.
Costumo dizer que é preferível que alguém compre roupa, mas estando consciente que a respectiva marca paga o equivalente a um pacote de arroz por dia a quem a fez, do que alguém decidir ser anti-consumo por pressão de pares, só para conseguir dormir melhor à noite.
Digo também muitas vezes que só vamos construir um futuro melhor se o construirmos todos em plena consciência da direcção que estamos a tomar, seja qual for o destino final. Talvez por isso prefira o termo consciencializar ao termo sensibilizar.
Sou pelas decisões informadas, mas sou também uma ávida defensora dos momentos de indulgência, e respeitadora do tempo e das opções de cada um.
Eu, por exemplo, vim aqui parar por força do acaso, ao mundo das NPOse da sustentabilidade, escutando a minha intuição pelos caminhos sinuosos do sector têxtil, e de certa forma boicotando a carreira que havia escolhido para mim aos 16 anos: ser uma designer de moda.
Não sou uma autoridade no assunto. As pessoas das quais me rodeio são muito mais astutas tecnicamente no que toca a eco-fashion. Ainda hoje desconstruo e volto a construir o conceito de sustentabilidade. E frequentemente revisito o comportamento de consumo de moda (área que acabou por ser a minha especialidade) para entender o ser humano.
Nunca cheguei a uma definição universal.
Tampouco sei sobre opções certas ou erradas para chegar ao equilíbrio ambiental e social entre o Homem e o contexto onde se insere.
Mas uma coisa sinto ser verdade: tomarmos uma decisão em consciência do seu impacto (ou com genuína vontade de o conhecer), vale mais do que mil moralismos.
Em outras palavras, mais vale dar uso a produtos de pele esquecidos no armário, ou renunciar inflexivelmente a qualquer produto animal? Mais vale reparar roupa de baixa durabilidade, ou deitá-la toda na reciclagem? Depende, certo? Há prós e contras associados a todas as opções.
A maior mentira que vou contar nos próximos artigos da The Minimal Magazineé que existe uma receita fácil de meia dúzia de passos para nos vestirmos de forma mais sustentável, sem prejudicar pessoas, comunidades, nem animais, nem destruir fontes de vida como a água, o solo ou o ar que respiramos. E que poderá segui-la de forma linear e literal, tal e qual como a vida, o ser humano e a natureza não são.
Quem começou recentemente a mudar a forma como compra roupa, face às denúncias que têm vindo a ser feitas nos media às grandes marcas, a olhar para o seus botões e a pensar quem os terá pregado, onde vive e em que condições, sabe do que estou a falar.
Adoptar um comportamento de consumo de vestuário mais sustentável não é fácil, as respostas são escassas e complexas e quem procura uma ‘to dolist’ prontinha a ser riscada passo a passo, vai desiludir-se e desistir rapidamente.
Uma coisa é listar os passos de uma receita, outra coisa é procurar tomar decisões acertadas num sistema complexo, com uma infinidade de sectores interligados (desde a produção da fibra têxtil ao fim de vida da peça de roupa, calçado, ou acessório propriamente dito), no qual o nosso comportamento de consumo é tudo menos inócuo.
As boas notícias é que vou de facto enumerar algumas opções alternativas ao consumo de fast-fashion nos artigos que se seguem – 6 alternativas para ser mais exacta – onde pode inspirar-se, usar a sua criatividade, conhecer diferentes opções de partilha e de compra.
As notícias ainda melhores é que vai depender inteiramente da sua autonomia crítica e curiosidade conhecer o verdadeiro impacto das suas novas aquisições.
Ninguém disse que ser um
cidadão consciente era fácil!
Já se perguntou porque quer vestir-se de forma mais sustentável? Antes de mais, esta é a questão mais importante que deve ter presente para si próprio/a, para que comece com calma.
Especializada em Design de Moda, Sociologia de Moda, Tendências e Comportamento de Consumo. Coordenadora Nacional do Movimento Internacional Fashion Revolution.
Moda Sustentável: Antes de mais, Calma!
Já me disseram assim uma vez: “Comprei esta blusa na Zara. Sim, já sei que sou uma pessoa horrível que escraviza crianças na India.”. Também já me disseram assim: “Isso é tudo muito bonito, mas as pessoas só têm dinheiro para ir à Primark”.
A caixa de mensagens do Fashion Revolution está repleta de “o que devemos então vestir, para não prejudicar ninguém?”.
São mais as vezes que tento relaxar consciências pesadas do que as que chego efectivamente a discutir o impacto do consumo da chamada moda rápida, ou fast-fashion, e as suas alternativas. A maior parte das vezes é inútil partir para os números mais chocantes.
Moda mexe com necessidades básicas humanas como auto-confiança, sentimento de pertença e identidade, e quando ainda por cima vivemos num cenário social que alimenta a inveja sobre o adorno, susceptível de ser julgado como fruto da vaidade ou futilidade, geralmente dizer a uma pessoa que os jeans que acabou de comprar desperdiçaram 10 mil litros de água e provavelmente despejaram resíduos altamentes tóxicos nos rios de Xintang que vão contribuir para a esterilização dos solos circundantes, potenciando doenças cancerígenas nas populações locais, e ainda destruindo ecossistemas, não é propriamente uma coisa que vá abrir a sua mente. Muito pelo contrário.
A culpa e o medo de descobrir que somos “más pessoas”
são os sentimentos mais inférteis à liberdade
de decidir em consciência e em empatia com o outro.
Costumo dizer que é preferível que alguém compre roupa, mas estando consciente que a respectiva marca paga o equivalente a um pacote de arroz por dia a quem a fez, do que alguém decidir ser anti-consumo por pressão de pares, só para conseguir dormir melhor à noite.
Digo também muitas vezes que só vamos construir um futuro melhor se o construirmos todos em plena consciência da direcção que estamos a tomar, seja qual for o destino final. Talvez por isso prefira o termo consciencializar ao termo sensibilizar.
Sou pelas decisões informadas, mas sou também uma ávida defensora dos momentos de indulgência, e respeitadora do tempo e das opções de cada um.
Eu, por exemplo, vim aqui parar por força do acaso, ao mundo das NPOs e da sustentabilidade, escutando a minha intuição pelos caminhos sinuosos do sector têxtil, e de certa forma boicotando a carreira que havia escolhido para mim aos 16 anos: ser uma designer de moda.
Não sou uma autoridade no assunto. As pessoas das quais me rodeio são muito mais astutas tecnicamente no que toca a eco-fashion. Ainda hoje desconstruo e volto a construir o conceito de sustentabilidade. E frequentemente revisito o comportamento de consumo de moda (área que acabou por ser a minha especialidade) para entender o ser humano.
Nunca cheguei a uma definição universal.
Tampouco sei sobre opções certas ou erradas para chegar ao equilíbrio ambiental e social entre o Homem e o contexto onde se insere.
Mas uma coisa sinto ser verdade: tomarmos uma decisão em consciência do seu impacto (ou com genuína vontade de o conhecer), vale mais do que mil moralismos.
Em outras palavras, mais vale dar uso a produtos de pele esquecidos no armário, ou renunciar inflexivelmente a qualquer produto animal? Mais vale reparar roupa de baixa durabilidade, ou deitá-la toda na reciclagem? Depende, certo? Há prós e contras associados a todas as opções.
A maior mentira que vou contar nos próximos artigos da The Minimal Magazine é que existe uma receita fácil de meia dúzia de passos para nos vestirmos de forma mais sustentável, sem prejudicar pessoas, comunidades, nem animais, nem destruir fontes de vida como a água, o solo ou o ar que respiramos. E que poderá segui-la de forma linear e literal, tal e qual como a vida, o ser humano e a natureza não são.
Quem começou recentemente a mudar a forma como compra roupa, face às denúncias que têm vindo a ser feitas nos media às grandes marcas, a olhar para o seus botões e a pensar quem os terá pregado, onde vive e em que condições, sabe do que estou a falar.
Adoptar um comportamento de consumo de vestuário mais sustentável não é fácil, as respostas são escassas e complexas e quem procura uma ‘to do list’ prontinha a ser riscada passo a passo, vai desiludir-se e desistir rapidamente.
Uma coisa é listar os passos de uma receita, outra coisa é procurar tomar decisões acertadas num sistema complexo, com uma infinidade de sectores interligados (desde a produção da fibra têxtil ao fim de vida da peça de roupa, calçado, ou acessório propriamente dito), no qual o nosso comportamento de consumo é tudo menos inócuo.
As boas notícias é que vou de facto enumerar algumas opções alternativas ao consumo de fast-fashion nos artigos que se seguem – 6 alternativas para ser mais exacta – onde pode inspirar-se, usar a sua criatividade, conhecer diferentes opções de partilha e de compra.
As notícias ainda melhores é que vai depender inteiramente da sua autonomia crítica e curiosidade conhecer o verdadeiro impacto das suas novas aquisições.
Ninguém disse que ser um
cidadão consciente era fácil!
Já se perguntou porque quer vestir-se de forma mais sustentável? Antes de mais, esta é a questão mais importante que deve ter presente para si próprio/a, para que comece com calma.
CALMA
CONSCIÊNCIA
EMPATIA
Salomé Areias
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