A minha formação foi durante toda a minha vida inteiramente dedicada ao ensino e à investigação em ensino e literatura.
No entanto, no meu percurso recente, a abertura de uma loja cuja missão está totalmente comprometida com a redução do desperdício despertou em mim uma consciência ambiental que até aí não possuía e um sentido de (maior) urgência em colocar a escola no mundo e o mundo (e os seus problemas) na escola.
Não que tudo isso não estivesse, ou não pudesse estar, já presente na disciplina que leciono. Não, não é isso que quero dizer.
Essencialmente, percebi de forma muito mais nítida que temos de ajudar os nossos alunos – a próxima geração – a resolver os problemas que muito possivelmente herdarão como consequência dos nossos erros e da nossa irresponsabilidade perante o planeta.
Hoje, mais do que nunca,
sinto que é fundamental que sejam agentes de mudança,
para que consigam transformar (para melhor) o mundo que vão encontrar à saída da escola.
De repente, comecei a perceber que a literatura (ou qualquer outra disciplina) por si só não chegava (mesmo que faça muito por tantas competências essenciais para a vida). E também não basta que se aborde o tema em biologia ou geografia, por exemplo.
O mundo precisa definitivamente de uma escola nova, organizada de outra forma, preparada para preparar pessoas que terão de enfrentar a incerteza, a velocidade, a “tweetização” da informação, a desmaterialização (trabalho em rede à distância e relações também à distância), a dispersão, os estímulos, a dialética entre “fake news” e “fake true”, presidentes que (so)negam as alterações climáticas, consumismo e cultura “fast”,…
Este novo paradigma exige das nossas escolas profundas alterações, sobretudo, na forma como olhamos para as disciplinas e para o currículo.
Dando a oportunidade aos alunos (e a toda a comunidade escolar)
de “pôr as mãos na massa” e de “sujar as mãos”, literalmente.
Houve duas influências marcantes, duas experiências que aconteceram na minha história como professora, dois pontos de luz no meu caminho que se uniram e enchem de sentido e de intencionalidade a minha ação.
Tive a sorte (a bênção) de passar por duas “casas”, duas escolas, onde contactei com dois ideários que marcariam para sempre a minha forma de estar no ensino e definiriam também a minha identidade. Só hoje, olhando para trás, me apercebo de que a vida se encarregou de me mostrar como estas duas influências se encaixam e alinham de forma ainda veemente agora, no contexto de uma missão associada à sustentabilidade.
Primeiro, o contacto com o ideário franciscano ajudou-me a profundar a espiritualidade associada à natureza, a contemplar as maravilhas e o esplendor da Terra; foi também uma lição de despojamento e humildade (semente que só veio a dar fruto muito mais tarde).
Para mim, S. Francisco é um dos primeiros ativistas ambientais e um dos mais radicais nos seus gestos de bondade para com todas as criaturas.
Depois, conheci e abracei o ideário jesuíta e o paradigma pedagógico inaciano, da atenção ao outro e ao mundo. Trago sempre comigo a frase de Pedro Arrupe “O mundo anda sem nós; de nós depende que ande connosco”.
Como professora, sinto que é esta, hoje mais do que nunca, a missão da escola: fazer com que quem passa por ela saia comprometido com a mudança do mundo.
O meu sonho é que a escola própria se reinvente enquanto ecossistema.
Apaixona-me pensar que os alunos possam construir esse percurso do zero. Porque, na verdade, cada sala, cada turma, é também um pequeno ecossistema.
Uma escola que assuma no seu projeto a preocupação com a sustentabilidadeé uma escola que se preocupa com o impacto que o ser humano tem sobre este recurso que é de todos e procura agir para reduzir esse impacto. Esta preocupação será tão mais forte e consequente quanto o trabalho que fizermos para desenvolver nos alunos a consciência de si, dos outros e do mundo.
Ir para além da sala de aula é ainda construir pontes com o exterior, com a vida lá fora, com natureza e, de forma mais profunda, é proporcionar o contacto com a noção da nossa finitude e com a infinitude e beleza do que nos transcende.
Sonho com uma escola comprometida com a saúde das pessoas e do planeta. Uma escola que aposta na nutrição e opta por alimentos biológicos, livres de químicos nocivos e pesticidas (uma horta bio ou entrar em contacto com pequenos produtores locais) e dá à comunidade a hipótese de interagir (workshops, por exemplo), decidir menus, receitas,…
Todas as escolas consomem recursos e matérias-primas.
As escolas podem e devem estudar e monitorizar os dados,
o desperdício que geram, para definir objetivos de redução.
Sonho com uma escola que separa corretamente os resíduos e, mais do que isso, porque, sonho com uma escola que dá as ferramentas necessárias aos alunos, para que possam refletir sobre o consumo desenfreado, sobre a necessidade de uma economia circular que substitua a economia linear em que nos movemos.
Sonho com uma escola que seja o exemplo dessa economia circular: todos os recursos são concebidos e pensados em função da sua durabilidade. Habituar a comunidade a pensar na utilidade das coisas e em prolongar-lhes a vida é ensinar um caminho de despojamento, de valorização do ser, em detrimento do ter.
Sonho com uma escola que organiza bazares de trocas no início do ano, para que materiais, manuais, roupas possam ser reutilizados e reciclados.
Os estudos promovidos pelas “Green Schools”, nos EUA, comprovam que os alunos que têm experiência prática de cultivar uma horta, no âmbito de um currículo ambiental, têm um desempenho superior em disciplinas como matemática, ciências e arte.
Mas, mais do que isso, nestas experiências práticas ambientais
há todo um mundo de potencialidades de aprendizagens
que se abrem para todas as áreas disciplinares.
Sonho com uma escola que tenha a ousadia de banir o plástico do seu recinto, porque percebeu o impacto nefasto que este material, quando descartado, contaminando os solos, o oceano, constituindo uma ameaça para animais e seres humanos.
Sonho com uma escola que interpela os alunos para chegarem a soluções inovadoras: como substituir as garrafas de plástico no bar e na cantina? E as palhinhas? Como trazer de casa um lanche nutritivo e sem plástico? Como separar corretamente os resíduos? De que forma conseguimos contagiar a comunidade inteira? Como trazer parceiros para dentro da escola para ajudar nesta luta?
Sonho com uma escola que dá aos alunos técnicas, utensílios práticos para interpretar “verdades virais”, “notícias que circulam nas redes sociais”, a “retórica” e o populismo, mas também que lhes dá confiança para afirmar a sua verdade, aquilo por que lutam, o Bem maior.
Em última análise, fazer este trajeto é “empoderar” os alunos e educá-los para serem líderes globais, porque qualquer gesto local tem impacto universal e porque, cada vez mais, precisamos de ser a mudança que queremos ver no mundo.
E esse, acredito, é o legado mais valioso com que a escola os pode equipar para o futuro.
Professora e Investigadora na área da Literatura Portuguesa. Fundadora da Maria Granel, a primeira Zero Waste Store e Mercearia Biológica a Granel em Portugal. Consultora e Oradora na área da Sustentabilidade Ambiental e Redução de Desperdício.
Transformar o Futuro | O Papel da Escola
A minha formação foi durante toda a minha vida inteiramente dedicada ao ensino e à investigação em ensino e literatura.
No entanto, no meu percurso recente, a abertura de uma loja cuja missão está totalmente comprometida com a redução do desperdício despertou em mim uma consciência ambiental que até aí não possuía e um sentido de (maior) urgência em colocar a escola no mundo e o mundo (e os seus problemas) na escola.
Não que tudo isso não estivesse, ou não pudesse estar, já presente na disciplina que leciono. Não, não é isso que quero dizer.
Essencialmente, percebi de forma muito mais nítida que temos de ajudar os nossos alunos – a próxima geração – a resolver os problemas que muito possivelmente herdarão como consequência dos nossos erros e da nossa irresponsabilidade perante o planeta.
Hoje, mais do que nunca,
sinto que é fundamental que sejam agentes de mudança,
para que consigam transformar (para melhor) o mundo que vão encontrar à saída da escola.
De repente, comecei a perceber que a literatura (ou qualquer outra disciplina) por si só não chegava (mesmo que faça muito por tantas competências essenciais para a vida). E também não basta que se aborde o tema em biologia ou geografia, por exemplo.
O mundo precisa definitivamente de uma escola nova, organizada de outra forma, preparada para preparar pessoas que terão de enfrentar a incerteza, a velocidade, a “tweetização” da informação, a desmaterialização (trabalho em rede à distância e relações também à distância), a dispersão, os estímulos, a dialética entre “fake news” e “fake true”, presidentes que (so)negam as alterações climáticas, consumismo e cultura “fast”,…
Este novo paradigma exige das nossas escolas profundas alterações, sobretudo, na forma como olhamos para as disciplinas e para o currículo.
Dando a oportunidade aos alunos (e a toda a comunidade escolar)
de “pôr as mãos na massa” e de “sujar as mãos”, literalmente.
Houve duas influências marcantes, duas experiências que aconteceram na minha história como professora, dois pontos de luz no meu caminho que se uniram e enchem de sentido e de intencionalidade a minha ação.
Tive a sorte (a bênção) de passar por duas “casas”, duas escolas, onde contactei com dois ideários que marcariam para sempre a minha forma de estar no ensino e definiriam também a minha identidade. Só hoje, olhando para trás, me apercebo de que a vida se encarregou de me mostrar como estas duas influências se encaixam e alinham de forma ainda veemente agora, no contexto de uma missão associada à sustentabilidade.
Primeiro, o contacto com o ideário franciscano ajudou-me a profundar a espiritualidade associada à natureza, a contemplar as maravilhas e o esplendor da Terra; foi também uma lição de despojamento e humildade (semente que só veio a dar fruto muito mais tarde).
Para mim, S. Francisco é um dos primeiros ativistas ambientais e um dos mais radicais nos seus gestos de bondade para com todas as criaturas.
Depois, conheci e abracei o ideário jesuíta e o paradigma pedagógico inaciano, da atenção ao outro e ao mundo. Trago sempre comigo a frase de Pedro Arrupe “O mundo anda sem nós; de nós depende que ande connosco”.
Como professora, sinto que é esta, hoje mais do que nunca, a missão da escola: fazer com que quem passa por ela saia comprometido com a mudança do mundo.
O meu sonho é que a escola própria se reinvente enquanto ecossistema.
Apaixona-me pensar que os alunos possam construir esse percurso do zero. Porque, na verdade, cada sala, cada turma, é também um pequeno ecossistema.
Uma escola que assuma no seu projeto a preocupação com a sustentabilidade é uma escola que se preocupa com o impacto que o ser humano tem sobre este recurso que é de todos e procura agir para reduzir esse impacto. Esta preocupação será tão mais forte e consequente quanto o trabalho que fizermos para desenvolver nos alunos a consciência de si, dos outros e do mundo.
Ir para além da sala de aula é ainda construir pontes com o exterior, com a vida lá fora, com natureza e, de forma mais profunda, é proporcionar o contacto com a noção da nossa finitude e com a infinitude e beleza do que nos transcende.
Sonho com uma escola comprometida com a saúde das pessoas e do planeta. Uma escola que aposta na nutrição e opta por alimentos biológicos, livres de químicos nocivos e pesticidas (uma horta bio ou entrar em contacto com pequenos produtores locais) e dá à comunidade a hipótese de interagir (workshops, por exemplo), decidir menus, receitas,…
Todas as escolas consomem recursos e matérias-primas.
As escolas podem e devem estudar e monitorizar os dados,
o desperdício que geram, para definir objetivos de redução.
Sonho com uma escola que separa corretamente os resíduos e, mais do que isso, porque, sonho com uma escola que dá as ferramentas necessárias aos alunos, para que possam refletir sobre o consumo desenfreado, sobre a necessidade de uma economia circular que substitua a economia linear em que nos movemos.
Sonho com uma escola que seja o exemplo dessa economia circular: todos os recursos são concebidos e pensados em função da sua durabilidade. Habituar a comunidade a pensar na utilidade das coisas e em prolongar-lhes a vida é ensinar um caminho de despojamento, de valorização do ser, em detrimento do ter.
Sonho com uma escola que organiza bazares de trocas no início do ano, para que materiais, manuais, roupas possam ser reutilizados e reciclados.
Os estudos promovidos pelas “Green Schools”, nos EUA, comprovam que os alunos que têm experiência prática de cultivar uma horta, no âmbito de um currículo ambiental, têm um desempenho superior em disciplinas como matemática, ciências e arte.
Mas, mais do que isso, nestas experiências práticas ambientais
há todo um mundo de potencialidades de aprendizagens
que se abrem para todas as áreas disciplinares.
Sonho com uma escola que tenha a ousadia de banir o plástico do seu recinto, porque percebeu o impacto nefasto que este material, quando descartado, contaminando os solos, o oceano, constituindo uma ameaça para animais e seres humanos.
Sonho com uma escola que interpela os alunos para chegarem a soluções inovadoras: como substituir as garrafas de plástico no bar e na cantina? E as palhinhas? Como trazer de casa um lanche nutritivo e sem plástico? Como separar corretamente os resíduos? De que forma conseguimos contagiar a comunidade inteira? Como trazer parceiros para dentro da escola para ajudar nesta luta?
Sonho com uma escola que dá aos alunos técnicas, utensílios práticos para interpretar “verdades virais”, “notícias que circulam nas redes sociais”, a “retórica” e o populismo, mas também que lhes dá confiança para afirmar a sua verdade, aquilo por que lutam, o Bem maior.
Em última análise, fazer este trajeto é “empoderar” os alunos e educá-los para serem líderes globais, porque qualquer gesto local tem impacto universal e porque, cada vez mais, precisamos de ser a mudança que queremos ver no mundo.
E esse, acredito, é o legado mais valioso com que a escola os pode equipar para o futuro.
CONSCIÊNCIA
SINERGIA
COMPROMISSO
Eunice Maia
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