Todos os dias observo pessoas que não dormem. E são múltiplas as causas para esta dificuldade.
Quase todas são apresentadas como insónia mas apenas uma parte (ainda que grande) corresponde verdadeiramente ao diagnóstico de insónia.
De acordo com as recomendações internacionais, insónia é uma dificuldade em adormecer ou manter o sono, com impacto no quotidiano do individuo, durante pelo menos três noites por semana durante mais de três meses.
Na prática, é uma dificuldade em adormecer, acordar a meio da noite, acordar demasiado cedo de manhã ou dificuldade em voltar a adormecer depois de acordar e a sensação de cansaço ao longo do dia.
Começando pela dificuldade em adormecer, um erro comum é o indivíduo que acredita poder definir a sua hora para adormecer – vai para a cama não porque tem sono nem quando tem sono, mas porque está na hora.
No entanto, o momento de adormecer não é definido de uma forma racional.
Resulta de um equilíbrio do nosso relógio interno para o qual contribui a melatonina (processo C) e o tempo que estamos acordados (processo S).
Por outro lado, o indivíduo, ao adoptar um comportamento que não só ignora as manifestações de sonolência como luta contra as mesmas, corre o risco de quando decide ir dormir o momento já ter passado.
Também é frequente o discurso de que a dificuldade em dormir é algo de transmissão familiar – já os meus pais tinham insónia.
E se sabemos hoje em dia que a insónia tem um componente familiar (os estudos demonstram uma influência na hereditariedade entre 28 e 45%) são, ainda assim, as atitudes e os comportamentos que mais frequentemente tornam esta situação clínica uma questão que passa entre gerações.
E começa muitas vezes na infância.
Enquanto bebés, os pais nem sempre sabem reconhecer os sinais de sonolência, e interpretam de forma errada as manifestações de hiperatividade motora na hora de dormir: “como pode o bebé estar com sono se não pára de se mexer?”.
E a dificuldade pode ainda aumentar com a presença de avós e outros familiares sempre muito sabedores e críticos.
E a quantos pais o pediatra assistente perguntou pelo sono do seu bebé? Pesam, medem e registam no livro da criança. Mas e quanto e como dormem?
As crianças chegam tarde a casa, cansadas e cheias de vontade de brincar com os pais e irmãos. Jantam e querem ver televisão. E na sociedade portuguesa há muitas famílias a jantar tarde – muitas vezes às 21 ou às 22 horas.
As necessidades de sono de uma criança rondam 10/11 horas por noite, e só vão para a cama por volta das 22 ou 23 horas. E no dia seguinte têm de se levantar cedo, demasiado cedo.
E começa muito cedo uma pressão que surgiu nas últimas décadas, que muitos avós nunca experimentaram – a pressão do sucesso e dos bons resultados.
A criança que apenas brincava, aprendia e crescia desapareceu.
Hoje em dia a criança tem de ser bem-educada, bem-comportada e com bons resultados na escola e nas (múltiplas) atividades extracurriculares.
O desenvolvimento das competências sociais resume-se muitas vezes aos intervalos na escola e às festas de aniversário.
Não há tempo para brincar às escondidas, à apanhada ou ao jogo de futebol em campos improvisados… apenas para trabalhar, para ser o novo Cristiano Ronaldo.
Portanto, quando estas crianças chegam à cama vão muitas vezes exaustas e dormem.
Mas porque cada pessoa é diferente da outra, também é frequente chegar à cama e o cansaço impedir o relaxamento inicial para adormecer.
E a criança começa a pensar no que aconteceu durante o dia e no que vai acontecer no dia seguinte uma vez que pela primeira vez desde que acordou parou – e teve tempo para pensar – pois não teve essa oportunidade ao longo de todo o dia.
Quando entram na adolescência, as mudanças, como as alterações hormonais, são muitas e ocorrem como tempestades violentas.
Se o individuo não aprendeu sobre a importância de dormir, respeitar o sono e os benefícios de uma boa noite de sono, vai naturalmente desprezar o tempo de sono.
Se até então não foi um momento valorizado e bom, como pode passar a sê-lose há todo um mundo para descobrir, manter-se conectado e para conquistar?
Quando chega a adulto este indivíduo nunca teve uma rotina de sono.
Na verdade, não sabe dormir porque nunca respeitou o seu ritmo interno ou as suas necessidades de sono.
Que dificuldades teria um adulto para caminhar se apenas se dedicasse a aprender a caminhar na idade adulta?
E que consequências teria essa
aprendizagem tardia para o equilíbrio
e bem-estar de todo o indivíduo?
Então quais são as consequências de não ter aprendido a dormir com qualidade até à idade adulta?
São inúmeras as consequências conhecidas da insónia:
• A nível cerebral | Concentração, memória, impulsividade e irritabilidade).
• A nível físico | Diminuição da imunidade, cansaço (muitas vezes difícil de caracterizar), emocional.
A insónia é assim uma perturbação que dura as 24 horas do dia: afeta tanto a noite como o dia.
No entanto, embora existam várias teorias, não são conhecidos com exatidão os mecanismos cerebrais que levam à insónia.
Provavelmente, tratar-se-á de mais do que um mecanismo que entra em disrupção e em que fatores psicológicos, físicos, médicos ou ambientais perpetuam o mau funcionamento do sono.
Na grande maioria das situações, as mudanças comportamentais são as mais importantes e mais duradouras.
E muitas vezes, há muita coisa a mudar para conseguir uma boa noite de sono.
Mas para começar deixaria como sugestão ir para a cama quando percebe os primeiros sinais de sonolência e acordar todos os dias à mesma hora não obstante as circunstâncias.
E para deixar o sono chegar e instalar-se necessita de relaxar com momentos de prazer após o jantar.
Precisa de agir como um botão luminoso de intensidade que vai reduzindo até adormecer.
Percebe-se agora como os comprimidos para dormir são instrumentos rudimentares, que se limitam simplesmente e até de uma forma primitiva a “adormecer” o córtex.
É através de uma prática paradoxal, em insistir numa coisa difícil para que se torne menos difícil, que os seres humanos muitas vezes mudam.
O primeiro passo para que essa mudança ocorra no que respeita ao sono é perceber a importância do sono.
A insónia é uma doença do sono, como a enxaqueca é uma doença neurológica e o enfarte do miocárdio uma doença do coração.
Se o diagnóstico nem sempre é difícil, o seu tratamento exige muitas vezes uma abordagem complexa.
Mas uma boa noite de sono é o objetivo final e levará sem dúvida a uma melhor qualidade de vida.
Médica Neurologista especializada em Medicina do Sono. Sleep Somnologist pela European Sleep Research Society. Membro da Movement Disorders Society, da Associação Portuguesa do Sono e da American Association of Sleep Medicine.
Os Desafios Modernos do Sono | A Insónia
Todos os dias observo pessoas que não dormem. E são múltiplas as causas para esta dificuldade.
Quase todas são apresentadas como insónia mas apenas uma parte (ainda que grande) corresponde verdadeiramente ao diagnóstico de insónia.
De acordo com as recomendações internacionais, insónia é uma dificuldade em adormecer ou manter o sono, com impacto no quotidiano do individuo, durante pelo menos três noites por semana durante mais de três meses.
Na prática, é uma dificuldade em adormecer, acordar a meio da noite, acordar demasiado cedo de manhã ou dificuldade em voltar a adormecer depois de acordar e a sensação de cansaço ao longo do dia.
Começando pela dificuldade em adormecer, um erro comum é o indivíduo que acredita poder definir a sua hora para adormecer – vai para a cama não porque tem sono nem quando tem sono, mas porque está na hora.
No entanto, o momento de adormecer não é definido de uma forma racional.
Resulta de um equilíbrio do nosso relógio interno para o qual contribui a melatonina (processo C) e o tempo que estamos acordados (processo S).
Por outro lado, o indivíduo, ao adoptar um comportamento que não só ignora as manifestações de sonolência como luta contra as mesmas, corre o risco de quando decide ir dormir o momento já ter passado.
Também é frequente o discurso de que a dificuldade em dormir é algo de transmissão familiar – já os meus pais tinham insónia.
E se sabemos hoje em dia que a insónia tem um componente familiar (os estudos demonstram uma influência na hereditariedade entre 28 e 45%) são, ainda assim, as atitudes e os comportamentos que mais frequentemente tornam esta situação clínica uma questão que passa entre gerações.
E começa muitas vezes na infância.
Enquanto bebés, os pais nem sempre sabem reconhecer os sinais de sonolência, e interpretam de forma errada as manifestações de hiperatividade motora na hora de dormir: “como pode o bebé estar com sono se não pára de se mexer?”.
E a dificuldade pode ainda aumentar com a presença de avós e outros familiares sempre muito sabedores e críticos.
E a quantos pais o pediatra assistente perguntou pelo sono do seu bebé? Pesam, medem e registam no livro da criança. Mas e quanto e como dormem?
As crianças chegam tarde a casa, cansadas e cheias de vontade de brincar com os pais e irmãos. Jantam e querem ver televisão. E na sociedade portuguesa há muitas famílias a jantar tarde – muitas vezes às 21 ou às 22 horas.
As necessidades de sono de uma criança rondam 10/11 horas por noite, e só vão para a cama por volta das 22 ou 23 horas. E no dia seguinte têm de se levantar cedo, demasiado cedo.
E começa muito cedo uma pressão que surgiu nas últimas décadas, que muitos avós nunca experimentaram – a pressão do sucesso e dos bons resultados.
A criança que apenas brincava, aprendia e crescia desapareceu.
Hoje em dia a criança tem de ser bem-educada, bem-comportada e com bons resultados na escola e nas (múltiplas) atividades extracurriculares.
O desenvolvimento das competências sociais resume-se muitas vezes aos intervalos na escola e às festas de aniversário.
Não há tempo para brincar às escondidas, à apanhada ou ao jogo de futebol em campos improvisados… apenas para trabalhar, para ser o novo Cristiano Ronaldo.
Portanto, quando estas crianças chegam à cama vão muitas vezes exaustas e dormem.
Mas porque cada pessoa é diferente da outra, também é frequente chegar à cama e o cansaço impedir o relaxamento inicial para adormecer.
E a criança começa a pensar no que aconteceu durante o dia e no que vai acontecer no dia seguinte uma vez que pela primeira vez desde que acordou parou – e teve tempo para pensar – pois não teve essa oportunidade ao longo de todo o dia.
Quando entram na adolescência, as mudanças, como as alterações hormonais, são muitas e ocorrem como tempestades violentas.
Se o individuo não aprendeu sobre a importância de dormir, respeitar o sono e os benefícios de uma boa noite de sono, vai naturalmente desprezar o tempo de sono.
Se até então não foi um momento valorizado e bom, como pode passar a sê-lo se há todo um mundo para descobrir, manter-se conectado e para conquistar?
Quando chega a adulto este indivíduo nunca teve uma rotina de sono.
Na verdade, não sabe dormir porque nunca respeitou o seu ritmo interno ou as suas necessidades de sono.
Que dificuldades teria um adulto para caminhar se apenas se dedicasse a aprender a caminhar na idade adulta?
E que consequências teria essa
aprendizagem tardia para o equilíbrio
e bem-estar de todo o indivíduo?
Então quais são as consequências de não ter aprendido a dormir com qualidade até à idade adulta?
São inúmeras as consequências conhecidas da insónia:
• A nível cerebral | Concentração, memória, impulsividade e irritabilidade).
• A nível físico | Diminuição da imunidade, cansaço (muitas vezes difícil de caracterizar), emocional.
A insónia é assim uma perturbação que dura as 24 horas do dia: afeta tanto a noite como o dia.
No entanto, embora existam várias teorias, não são conhecidos com exatidão os mecanismos cerebrais que levam à insónia.
Provavelmente, tratar-se-á de mais do que um mecanismo que entra em disrupção e em que fatores psicológicos, físicos, médicos ou ambientais perpetuam o mau funcionamento do sono.
Na grande maioria das situações, as mudanças comportamentais são as mais importantes e mais duradouras.
E muitas vezes, há muita coisa a mudar para conseguir uma boa noite de sono.
Mas para começar deixaria como sugestão ir para a cama quando percebe os primeiros sinais de sonolência e acordar todos os dias à mesma hora não obstante as circunstâncias.
E para deixar o sono chegar e instalar-se necessita de relaxar com momentos de prazer após o jantar.
Precisa de agir como um botão luminoso de intensidade que vai reduzindo até adormecer.
Percebe-se agora como os comprimidos para dormir são instrumentos rudimentares, que se limitam simplesmente e até de uma forma primitiva a “adormecer” o córtex.
É através de uma prática paradoxal, em insistir numa coisa difícil para que se torne menos difícil, que os seres humanos muitas vezes mudam.
O primeiro passo para que essa mudança ocorra no que respeita ao sono é perceber a importância do sono.
A insónia é uma doença do sono, como a enxaqueca é uma doença neurológica e o enfarte do miocárdio uma doença do coração.
Se o diagnóstico nem sempre é difícil, o seu tratamento exige muitas vezes uma abordagem complexa.
Mas uma boa noite de sono é o objetivo final e levará sem dúvida a uma melhor qualidade de vida.
HÁBITOS
MUDANÇA
EQUILIBRIO
Dulce Neutel
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