Sabem quando passamos por aquela montra que nos faz desacelerar o passo, porque um artigo parece chamar por nós, suspenso num imaculado personagem fictício em tudo mais elevado que nós – qual arte sacra iluminada pelo percentil dos saldos – e o turbilhão de emoções que cresce cá dentro converte-se num tímido murmúrio: “Precisava tanto de um destes, nesta cor”?
Não estão sozinhos. Isto é mais um dia normal na vida de qualquer consumidor a tentar criar uma justificativa lógica para um fenómeno do nosso subconsciente e a indústria da moda a ser eficaz no que se propôs a fazer, desde que a nossa economia assenta sobre uma directriz more-is-better, e todo o sistema, departamentos criativos, de gestão, marketing, publicidade, estudos sociais, começaram inevitavelmente a focar-se em métodos implacáveis para convencer as pessoas a comprar.
Hoje em dia toda a sociedade depende da roda viva da produção e do consumo de uma maneira ou de outra.
Raríssimas são as marcas que não usam esta estratégia de vender uma projecção de persona e lifestylejuntamente com um produto de beleza. Porque, pura e simplesmente, têm um potencial ali à mão de semear: a natural propensão humana para buscar auto-estima e sentimento de pertença através do adorno.
Isto não são novidades. Adornar o próprio corpo faz parte da nossa natureza como seres humanos, quer queiramos ou não.
Está intimamente ligado aos papéis sociais que temos desde que nos tapámos com as primeiras peles de animal na pré-história e percebemos que isso comunicava uma determinada mensagem, mas tem sobretudo a ver com esta peculiaridade que o ser humano tem de precisar de se inspirar e de exprimir quem é e o que sente. A forma como se mostra ao mundo tem toda a relevância na sua vida.
Posto isto, e sem sequer precisar referir a óbvia necessidade de nos cobrirmos por protecção, os primeiros conselhos que dou para começar a vestir-se de forma mais consciente são:
1 | Aceite que adornar-se é uma necessidade
E não um desejo fútil ou um luxo. Porque isso é o que o marketing de moda comunica para exaltar a ânsia, à qual se segue a culpa e consecutivos novos momentos de consumo. As marcas vendem o seu produto como um fruto proibído, que promete uma elevação do ego e do status (a baixo ou a alto preço), e ao qual podemos ceder num momento de indulgência e viver o climax do seu usufruto.
Noutra perspectiva mais consciente, talvez queira reparar como o adorno responde a várias necessidades básicas humanas, desde a protecção do frio à expressão de identidade, passando pela integração social, e self-care.
Contudo, estas não têm necessariamente de ser alimentadas de forma efémera. A roupa e outros adornos podem ser objectos com os quais construímos ligações fortes, e se a nossa imagem é a nossa primeira mensagem, assumir que nos importamos com ela sem medos dá-nos uma maior capacidade de analisar as nossas decisões.
2 | Questione-se sobre o que precisa
Já foi às compras com fome?
Se já foi, sabe que faz diferença comer primeiro e sentar-se por uns momentos a apontar num papel o que lhe faz falta, em vez de comprar tudo o que a fome lhe disser que seria boa ideia.
O seu cérebro funciona de forma similar quando entra numa loja com objectos que podem projectar o seu estilo de vida, quando participa num qualquer evento social, ou simplesmente navega pelo Instagram, porque basicamente, temos sempre alguma fome de estima, aceitação, status e criatividade, nos altos e baixos das nossas vidas.
O comportamento de compra é substancialmente emocional, por isso experimente entender de onde vem a fome primeiro, antes de tomar qualquer decisão. E a seguir escreva numa lista os items que procura.
3 | Analise se não haverá um substituto não material
Muitas vezes, a solução mais certa, mais rica e mais duradoura para as nossas fragilidades emocionais passa por experiências que nos marcam.
Não quer dizer que isto seja linear, mas assim que definir para si o que precisa sentir com roupa nova, permita-se abrir o leque de opções e estudar o que uma corrida, uma boa conversa, uma viagem, uma massagem, uma tatuagem, um corte de cabelo diferente, dançar, aprender algo novo, ou qualquer outra coisa que o/a faça sentir bem, pode trazer permanentemente para a sua vida.
4 | Distancie-se
Há pouco tempo uma colega do Fashion Revolution falou desta simples técnica numa palestra sobre alternativas ao fast-fashion, que eu entendo partilhar do mesmo princípio que um exercício criativo.
Quando temos uma ideia, ela parece genial a início, mas se lhe dermos tempo para assentar e amadurecer, é possível fazer uma análise mais fina e com mais objectividade.
A mesma lógica pode aplicar-se ao momento em que nos apaixonamos por uma nova peça de vestuário ou acessório, que apesar de mexer com o nosso imaginário, são produtos essencialmente funcionais que carecem de perspectiva e algum estudo de prós e contras.
Na próxima vez que se lembrar que precisa de algo novo, durma sobre o assunto. Um par de dias depois, vai ter mais certezas sobre o que quer e o que não quer.
Especializada em Design de Moda, Sociologia de Moda, Tendências e Comportamento de Consumo. Coordenadora Nacional do Movimento Internacional Fashion Revolution.
Moda Sustentável: O que Realmente Precisa?
Sabem quando passamos por aquela montra que nos faz desacelerar o passo, porque um artigo parece chamar por nós, suspenso num imaculado personagem fictício em tudo mais elevado que nós – qual arte sacra iluminada pelo percentil dos saldos – e o turbilhão de emoções que cresce cá dentro converte-se num tímido murmúrio: “Precisava tanto de um destes, nesta cor”?
Não estão sozinhos. Isto é mais um dia normal na vida de qualquer consumidor a tentar criar uma justificativa lógica para um fenómeno do nosso subconsciente e a indústria da moda a ser eficaz no que se propôs a fazer, desde que a nossa economia assenta sobre uma directriz more-is-better, e todo o sistema, departamentos criativos, de gestão, marketing, publicidade, estudos sociais, começaram inevitavelmente a focar-se em métodos implacáveis para convencer as pessoas a comprar.
Hoje em dia toda a sociedade depende da roda viva da produção e do consumo de uma maneira ou de outra.
Raríssimas são as marcas que não usam esta estratégia de vender uma projecção de persona e lifestyle juntamente com um produto de beleza. Porque, pura e simplesmente, têm um potencial ali à mão de semear: a natural propensão humana para buscar auto-estima e sentimento de pertença através do adorno.
Isto não são novidades. Adornar o próprio corpo faz parte da nossa natureza como seres humanos, quer queiramos ou não.
Está intimamente ligado aos papéis sociais que temos desde que nos tapámos com as primeiras peles de animal na pré-história e percebemos que isso comunicava uma determinada mensagem, mas tem sobretudo a ver com esta peculiaridade que o ser humano tem de precisar de se inspirar e de exprimir quem é e o que sente. A forma como se mostra ao mundo tem toda a relevância na sua vida.
Posto isto, e sem sequer precisar referir a óbvia necessidade de nos cobrirmos por protecção, os primeiros conselhos que dou para começar a vestir-se de forma mais consciente são:
1 | Aceite que adornar-se é uma necessidade
E não um desejo fútil ou um luxo. Porque isso é o que o marketing de moda comunica para exaltar a ânsia, à qual se segue a culpa e consecutivos novos momentos de consumo. As marcas vendem o seu produto como um fruto proibído, que promete uma elevação do ego e do status (a baixo ou a alto preço), e ao qual podemos ceder num momento de indulgência e viver o climax do seu usufruto.
Noutra perspectiva mais consciente, talvez queira reparar como o adorno responde a várias necessidades básicas humanas, desde a protecção do frio à expressão de identidade, passando pela integração social, e self-care.
Contudo, estas não têm necessariamente de ser alimentadas de forma efémera. A roupa e outros adornos podem ser objectos com os quais construímos ligações fortes, e se a nossa imagem é a nossa primeira mensagem, assumir que nos importamos com ela sem medos dá-nos uma maior capacidade de analisar as nossas decisões.
2 | Questione-se sobre o que precisa
Já foi às compras com fome?
Se já foi, sabe que faz diferença comer primeiro e sentar-se por uns momentos a apontar num papel o que lhe faz falta, em vez de comprar tudo o que a fome lhe disser que seria boa ideia.
O seu cérebro funciona de forma similar quando entra numa loja com objectos que podem projectar o seu estilo de vida, quando participa num qualquer evento social, ou simplesmente navega pelo Instagram, porque basicamente, temos sempre alguma fome de estima, aceitação, status e criatividade, nos altos e baixos das nossas vidas.
O comportamento de compra é substancialmente emocional, por isso experimente entender de onde vem a fome primeiro, antes de tomar qualquer decisão. E a seguir escreva numa lista os items que procura.
3 | Analise se não haverá um substituto não material
Muitas vezes, a solução mais certa, mais rica e mais duradoura para as nossas fragilidades emocionais passa por experiências que nos marcam.
Não quer dizer que isto seja linear, mas assim que definir para si o que precisa sentir com roupa nova, permita-se abrir o leque de opções e estudar o que uma corrida, uma boa conversa, uma viagem, uma massagem, uma tatuagem, um corte de cabelo diferente, dançar, aprender algo novo, ou qualquer outra coisa que o/a faça sentir bem, pode trazer permanentemente para a sua vida.
4 | Distancie-se
Há pouco tempo uma colega do Fashion Revolution falou desta simples técnica numa palestra sobre alternativas ao fast-fashion, que eu entendo partilhar do mesmo princípio que um exercício criativo.
Quando temos uma ideia, ela parece genial a início, mas se lhe dermos tempo para assentar e amadurecer, é possível fazer uma análise mais fina e com mais objectividade.
A mesma lógica pode aplicar-se ao momento em que nos apaixonamos por uma nova peça de vestuário ou acessório, que apesar de mexer com o nosso imaginário, são produtos essencialmente funcionais que carecem de perspectiva e algum estudo de prós e contras.
Na próxima vez que se lembrar que precisa de algo novo, durma sobre o assunto. Um par de dias depois, vai ter mais certezas sobre o que quer e o que não quer.
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Salomé Areias
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