Sim, leu bem, segundo cérebro! Em anos recentes, a ciência descobriu um vasto e complexo conjunto de neurónios localizado no intestino, razão pela qual este órgão passou a ser designado de sistema nervoso entérico ou segundo cérebro.
A descoberta de uma rede de comunicação física e bioquímica levou ao surgimento do conceito de eixo cérebro-intestino, o qual foi amplamente reconhecido e continua a ser importante alvo de estudo pela comunidade médica e científica internacional.
Todos nós sabemos que o cérebro é constituído por células especializadas na transmissão dos impulsos nervosos, chamadas neurónios. Mas, também o tracto intestinal contém uma rede neuronal nas suas paredes, que comunica com o cérebro através do sistema nervoso parassimpático (nervo vago) e do sistema nervoso simpático (gânglios pré-vertebrais).
Esta comunicação é bidireccional, pois o cérebro pode influenciar o intestino e vice-versa.
Enquanto o cérebro tem
cerca de 86 biliões de neurónios,
o intestino tem 100 milhões.
Os neurotransmissores são substâncias químicas produzidas pelas células nervosas, que actuam como sinalizadores durante a passagem do impulso nervoso, enviando informações a outras células.
Também o sistema nervoso entérico produz uma variedade destas substâncias, inclusive a serotonina, que é conhecida por ser o neurotransmissor da felicidade. Assim, o nosso intestino pode mesmo ter influência no nosso estado anímico e humor.
Por outro lado, existe uma ampla variedade de microrganismos que vive e se desenvolve neste órgão, conhecidos como flora intestinal. Hoje sabe-se que estes pequenos seres, além de intervirem na digestão e síntese de nutrientes, também produzem neurotransmissores que têm influência, quer sobre o intestino, quer sobre o cérebro.
A flora intestinal, nos humanos, estabiliza por volta dos três anos de vida e a sua composição vai-se alterando ao longo do tempo, quando existem mudanças na dieta alimentar ou mudanças no estado de saúde do organismo.
Uma alteração significativa neste conjunto de microrganismos, ou uma redução da sua diversidade, pode desencadear processos muito nefastos para a saúde, uma vez que pode levar ao aumento da permeabilidade intestinal e ao desenvolvimento de uma resposta inflamatória.
A médio-longo prazo, estes processos irão traduzir-se em sintomas e patologias, se não for reposta a saúde do intestino.
Por exemplo, num estudo recente, os investigadores encontraram dois géneros de bactérias que eram mais escassas em pessoas que sofriam de depressão, concluindo assim que compostos produzidos por essas bactérias seriam capazes de afectar o estado mental.
O sistema cérebro-intestino-flora intestinal desempenha um importante papel no controlo do sistema imunitário e no desencadeamento de processos inflamatórios, uma vez que controla as substâncias que são absorvidas pelo organismo.
Um mau funcionamento deste sistema ou uma má alimentação pode levar à destruição da barreira intestinal, tornando-a demasiado permeável, o que é conhecido por síndrome do intestino permeável.
Quando existe esta permeabilidade excessiva, ocorre a passagem de substâncias indesejadas através da parede intestinal para a corrente sanguínea, tais como toxinas inflamatórias, bactérias nocivas, ou determinadas proteínas, que irão provocar diversas intolerâncias ou alergias, podendo mesmo levar ao aparecimento de sérias patologias, sendo as mais comuns de cariz auto-imune, incluindo diabetes tipo 1, doença de Crohn ou doenças inflamatórias da pele.
Uma situação, bem conhecida,
é a sensibilidade ao glúten.
Em indivíduos sensíveis, o glúten (mistura de proteínas existentes principalmente no trigo mas também em outros cereais) é considerado um invasor, causando inflamação e aumentando a permeabilidade da mucosa, pois pode causar uma abertura nas junções da parede intestinal, permitindo que partículas maiores e indesejáveis passem para a corrente sanguínea.
Existe, portanto, a sensibilidade ao glúten não celíaca e a doença celíaca, sendo esta última uma condição mais séria, auto-imune, e caracterizada por sintomas graves e danos significativos ao intestino, o que prejudica a capacidade de absorção de certos nutrientes. Ambas as condições regridem com a retirada do glúten da alimentação, pois é eliminada a entidade agressora.
Contudo, não devemos confundir a sensibilidade ao glúten com outros tipos de intolerâncias, tais como a intolerância à lactose, uma vez que, neste caso, o que acontece é que o organismo não consegue digerir esta molécula de açúcar, por não ter a enzima apropriada.
A permeabilidade do intestino pode ainda aumentar apenas durante um curto período de tempo, como, por exemplo, após um tratamento com antibiótico, devido ao consumo excessivo de álcool ou ao stress.
Por essa razão, todos estes factores são considerados grandes agressores da saúde intestinal, devendo evitar-se ao máximo, uma vez que o tracto digestivo necessita de um período de tempo para recuperar dessa agressão e voltar ao seu anterior estado saudável.
Uma vez que o nosso estado de saúde física e mental depende, em parte destes microrganismos, é essencial não descurar a qualidade da nossa microbiota, optando por comer alimentos saudáveis, que não provoquem inflamação, e ricos em pré-bióticos e probióticos.
Sobretudo, evite hidratos de carbono
refinados, tais como o açúcar
e a farinha de trigo.
Enquanto os probióticos são bactérias vivas benéficas para povoar o intestino, os pré-bióticos são substâncias não digeríveis, à base de fibra, que contribuem para o equilíbrio e a manutenção de uma boa flora intestinal. A toma destes produtos pode reduzir os sintomas de desconforto abdominal, ansiedade, stress e depressão.
Quanto à alimentação, opte por alimentos benéficos para melhorar a sua flora intestinal, tais como alimentos fermentados – miso, kimchi, kombucha, tempeh, kefir, chucrute – e alimentos ricos em:
4 |Aminoácido Triptofano – Ovos, frutos secos, espinafres, soja, sementes de sésamo, sementes de girassol, leguminosas.
À luz destes conhecimentos recentes, os investigadores esperam agora ser capazes de manipular a microbiota intestinal de forma a influenciar positivamente a saúde humana. O ideal nesta abordagem seria a criação de terapias individualizadas, de acordo com as características específicas dos microrganismos de cada indivíduo.
Faça também bom uso destas novas descobertas e mime o seu intestino. Ou melhor, mime-se por completo e melhore a sua saúde, pois um intestino saudável irá reflectir-se no seu bem-estar a todos os níveis.
Não subestime esta parte do seu corpo e não se esqueça: ao aumentar as bactérias intestinais benéficas, está a melhorar a saúde do seu cérebro!
Bióloga especializada em Ensaios Clínicos, Nutrição e Segurança Alimentar. O seu percurso passou pela investigação científica, biotecnologia e medicina regenerativa com células estaminais. Produtora de conteúdos médicos e científicos.
Intestino | O Segundo Cérebro
Sim, leu bem, segundo cérebro! Em anos recentes, a ciência descobriu um vasto e complexo conjunto de neurónios localizado no intestino, razão pela qual este órgão passou a ser designado de sistema nervoso entérico ou segundo cérebro.
A descoberta de uma rede de comunicação física e bioquímica levou ao surgimento do conceito de eixo cérebro-intestino, o qual foi amplamente reconhecido e continua a ser importante alvo de estudo pela comunidade médica e científica internacional.
Todos nós sabemos que o cérebro é constituído por células especializadas na transmissão dos impulsos nervosos, chamadas neurónios. Mas, também o tracto intestinal contém uma rede neuronal nas suas paredes, que comunica com o cérebro através do sistema nervoso parassimpático (nervo vago) e do sistema nervoso simpático (gânglios pré-vertebrais).
Esta comunicação é bidireccional, pois o cérebro pode influenciar o intestino e vice-versa.
Enquanto o cérebro tem
cerca de 86 biliões de neurónios,
o intestino tem 100 milhões.
Os neurotransmissores são substâncias químicas produzidas pelas células nervosas, que actuam como sinalizadores durante a passagem do impulso nervoso, enviando informações a outras células.
Também o sistema nervoso entérico produz uma variedade destas substâncias, inclusive a serotonina, que é conhecida por ser o neurotransmissor da felicidade. Assim, o nosso intestino pode mesmo ter influência no nosso estado anímico e humor.
Por outro lado, existe uma ampla variedade de microrganismos que vive e se desenvolve neste órgão, conhecidos como flora intestinal. Hoje sabe-se que estes pequenos seres, além de intervirem na digestão e síntese de nutrientes, também produzem neurotransmissores que têm influência, quer sobre o intestino, quer sobre o cérebro.
Desse modo, estão envolvidos no metabolismo, regulação de peso corporal, protecção e regulação do sistema imunitário, e interacção entre o tracto digestivo e o cérebro.
Há quem designe o conjunto de microrganismos
intestinais por terceiro cérebro, tendo em
conta a sua influência no nosso bem-estar.
A flora intestinal, nos humanos, estabiliza por volta dos três anos de vida e a sua composição vai-se alterando ao longo do tempo, quando existem mudanças na dieta alimentar ou mudanças no estado de saúde do organismo.
Uma alteração significativa neste conjunto de microrganismos, ou uma redução da sua diversidade, pode desencadear processos muito nefastos para a saúde, uma vez que pode levar ao aumento da permeabilidade intestinal e ao desenvolvimento de uma resposta inflamatória.
A médio-longo prazo, estes processos irão traduzir-se em sintomas e patologias, se não for reposta a saúde do intestino.
Vários estudos referem o importante papel que a microbiota intestinal pode ter no surgimento de determinadas patologias, incluindo distúrbios alimentares, obesidade, sintomas depressivos, síndromes inflamatórias e auto-imunes, ou cancro.
Por exemplo, num estudo recente, os investigadores encontraram dois géneros de bactérias que eram mais escassas em pessoas que sofriam de depressão, concluindo assim que compostos produzidos por essas bactérias seriam capazes de afectar o estado mental.
O sistema cérebro-intestino-flora intestinal desempenha um importante papel no controlo do sistema imunitário e no desencadeamento de processos inflamatórios, uma vez que controla as substâncias que são absorvidas pelo organismo.
Um mau funcionamento deste sistema ou uma má alimentação pode levar à destruição da barreira intestinal, tornando-a demasiado permeável, o que é conhecido por síndrome do intestino permeável.
Quando existe esta permeabilidade excessiva, ocorre a passagem de substâncias indesejadas através da parede intestinal para a corrente sanguínea, tais como toxinas inflamatórias, bactérias nocivas, ou determinadas proteínas, que irão provocar diversas intolerâncias ou alergias, podendo mesmo levar ao aparecimento de sérias patologias, sendo as mais comuns de cariz auto-imune, incluindo diabetes tipo 1, doença de Crohn ou doenças inflamatórias da pele.
Uma situação, bem conhecida,
é a sensibilidade ao glúten.
Em indivíduos sensíveis, o glúten (mistura de proteínas existentes principalmente no trigo mas também em outros cereais) é considerado um invasor, causando inflamação e aumentando a permeabilidade da mucosa, pois pode causar uma abertura nas junções da parede intestinal, permitindo que partículas maiores e indesejáveis passem para a corrente sanguínea.
Existe, portanto, a sensibilidade ao glúten não celíaca e a doença celíaca, sendo esta última uma condição mais séria, auto-imune, e caracterizada por sintomas graves e danos significativos ao intestino, o que prejudica a capacidade de absorção de certos nutrientes. Ambas as condições regridem com a retirada do glúten da alimentação, pois é eliminada a entidade agressora.
Contudo, não devemos confundir a sensibilidade ao glúten com outros tipos de intolerâncias, tais como a intolerância à lactose, uma vez que, neste caso, o que acontece é que o organismo não consegue digerir esta molécula de açúcar, por não ter a enzima apropriada.
A permeabilidade do intestino pode ainda aumentar apenas durante um curto período de tempo, como, por exemplo, após um tratamento com antibiótico, devido ao consumo excessivo de álcool ou ao stress.
Por essa razão, todos estes factores são considerados grandes agressores da saúde intestinal, devendo evitar-se ao máximo, uma vez que o tracto digestivo necessita de um período de tempo para recuperar dessa agressão e voltar ao seu anterior estado saudável.
Uma vez que o nosso estado de saúde física e mental depende, em parte destes microrganismos, é essencial não descurar a qualidade da nossa microbiota, optando por comer alimentos saudáveis, que não provoquem inflamação, e ricos em pré-bióticos e probióticos.
Sobretudo, evite hidratos de carbono
refinados, tais como o açúcar
e a farinha de trigo.
Enquanto os probióticos são bactérias vivas benéficas para povoar o intestino, os pré-bióticos são substâncias não digeríveis, à base de fibra, que contribuem para o equilíbrio e a manutenção de uma boa flora intestinal. A toma destes produtos pode reduzir os sintomas de desconforto abdominal, ansiedade, stress e depressão.
Quanto à alimentação, opte por alimentos benéficos para melhorar a sua flora intestinal, tais como alimentos fermentados – miso, kimchi, kombucha, tempeh, kefir, chucrute – e alimentos ricos em:
À luz destes conhecimentos recentes, os investigadores esperam agora ser capazes de manipular a microbiota intestinal de forma a influenciar positivamente a saúde humana. O ideal nesta abordagem seria a criação de terapias individualizadas, de acordo com as características específicas dos microrganismos de cada indivíduo.
E a ciência está a evoluir neste sentido. Novas estratégias de tratamento, direccionadas a novos alvos terapêuticos, estão a ser estudadas para tratar diversas doenças, muitas delas até agora pouco compreendidas.
Faça também bom uso destas novas descobertas e mime o seu intestino. Ou melhor, mime-se por completo e melhore a sua saúde, pois um intestino saudável irá reflectir-se no seu bem-estar a todos os níveis.
Não subestime esta parte do seu corpo e não se esqueça: ao aumentar as bactérias intestinais benéficas, está a melhorar a saúde do seu cérebro!
RECIPROCIDADE
EQUILIBRIO
MICROBIOMA
Luísa Pereira
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